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Sigmund Freud e a Psicanálise

 

Fonte: "Teorias da Personalidade"

Fadigman, James
Frager, Robert

 

O trabalho de Sigmund Freud, nascido das disciplinas especializadas de Neurologia e Psiquiatria, propõe uma concepção de personalidade que surtiu efeitos importantes na cultura ocidental. Sua visão da condição humana, atacando violentamente as opiniões prevalecentes de sua época, oferece um modo complexo e atraente de perceber o desenvolvimento normal e anormal.

Freud explorou áreas da psique que eram discretamente obscurecidas pela moral e filosofia vitorianas. Descobriu novas abordagens para o tratamento da doença mental. Seu trabalho contestou tabus culturais, religiosos, sociais e científicos. Seus escritos, sua personalidade e sua determinação em ampliar os limites de seu trabalho fizeram dele o centro de um círculo de amigos e críticos em constante mudança. Freud sempre repensava em e revia suas idéias anteriores. O curioso é que seus mais ardorosos críticos estavam entre aqueles que supervisionara pessoalmente em várias fases de seu trabalho.

 

Não é possível descrever todas as contribuições de Freud num único capítulo. O que se segue é uma simplificação deliberada de um sistema complexo, intrincadamente conectado e inacabado. É uma visão geral, planejada para servir como um corpo de idéias que tornarão outras exposições do pensamento de Freud mais intelegíveis, e que permitirá uma melhor compreensão de outros teóricos cujo trabalho foi fortemente influenciado por Freud. Não estamos interessados em oferecer quer uma prova quer uma refutação das teorias de Freud; entendê-lo é de importância primordial. 

 

 

Sigmund Freud, pelo poder de sua obra, pela amplitude e audácia de suas especulações, revolucionou o pensamento, as vidas e a imaginação de uma era... Seria difícil encontrar na história das idéias, mesmo na história da religião, alguém cuja influência fosse tão imediata, tão vasta e tão profunda (Wollheim, 1971, p. IX).

 

 

 

HISTÓRIA PESSOAL

 

Sigmund Freud nasceu no dia 6 de maio de 1856, na pequena cidade de Freiberg, na Moravia (hoje Tchecoslováquia). Quando tinha 4 anos, sua família sofreu contratempos financeiros e mudou-se para Viena. Continuou a residir em Viena até 1938, quando emigrou para a Inglaterra. Morreu em 1939.

Durante sua infância, foi um excelente aluno. Apesar da limitada posição financeira de sua família, o que obrigou os seus oito membros a viverem num apartamento apertado, Freud, o primogênito, tinha seu próprio quarto e até mesmo uma lâmpada de óleo para estudar. O resto da família arranjou-se com velas. No ginásio continuou seu excelente desempenho acadêmico. "Fui o primeiro de minha turma durante 7 anos e desfrutava ali de privilégios especiais, e quase nunca tive de ser examinado em aula" (1925, livro 25, p.16 na ed. bras.).

 

Nem naquela época, nem mesmo depois, senti qualquer predileção particular pela carreira de médico. Fui, antes, levado por uma espécie de curiosidade, que era, contudo, dirigida mais para as preocupações humanas do que para os objetos naturais; eu nem tinha apreendido a importância da observação como um dos melhores meios de gratificá-la (1935, livro 25, p.16 na ed. bras.).

 

Visto ser judeu, todas as carreiras profissionais fora a Medicina e o Direito foram-lhe vedadas - tal era o clima anti-semita prevalecente na época. Influenciado pelos trabalhos de Darwin e Goethe, ele decidiu entrar na Faculdade de Medicina da Universidade de Viena em 1873.

Suas experiências na Universidade de Viena, onde foi tratado como "inferior e estranho" por ser judeu, fortaleceram sua capacidade de suportar críticas. "Numa idade prematura familiarizei-me com o destino de estar na oposição e de ser posto sob o anátema da 'maioria compacta'. Estavam assim lançados os fundamentos para um certo grau de independência de julgamento" (1935, livro 25, p.17 na ed. bras.). Permaneceu como estudante de Medicina durante oito anos, três a mais do que o habitual. No decorrer desses anos, trabalhou no laboratório fisiológico do Dr. Ernst Brücke. Um pouco da crença de Freud nas origens biológicas da consciência pode ser devida às próprias posições de Brücke, que uma vez jurou fidelidade à seguinte proposição:

 

Não há outras forças além das físicas e químicas comuns que sejam ativas no organismo. Nos casos que de momento não podem ser explicados por essas forças, devemos procurar descobrir a forma específica de sua ação por meio do método físico-matemático, ou então pressupor novas forças iguais em dignidade às forças físico-químicas inerentes à matéria, reduzíveis à força de atração e repulsão (em Rycroft, 1972, p.21 na ed. bras.)

 

Freud fez pesquisas independentes sobre histologia e publicou artigos sobre anatomia e neurologia. Aos 26 anos, recebeu seu diploma de médico. Continuou seu trabalho com Brücke por mais um ano e morou com sua família. Aspirava preencher a vaga seguinte no laboratório, mas Brücke tinha dois excelentes assistentes à frente de Freud. "O momento decisivo ocorreu em 1882 quando meu professor, por quem sentia a mais alta estima, corrigiu a imprevidência generosa de meu pai aconselhando-me vivamente, em vista de minha precária situação financeira, a abandonar minha carreira teórica" (1935, livro 25, p.18 na ed. bras.). Além do mais, Freud tinha se apaixonado e percebeu que, casando-se, precisaria de um cargo melhor remunerado.

Apesar de se dirigir relutantemente para a clínica particular, seus interesses principais permaneciam na área da observação e exploração científicas. Trabalhando primeiro como cirurgião, depois em clínica geral, tornou-se médico interno do principal hospital de Viena. Fez um curso de Psiquiatria, o que aumentou seu interesse pelas reações entre sintomas mentais e distúrbios físicos. Em 1885, tinha se estabelecido na posição prestigiosa de conferencista da Universidade de Viena. Sua carreira começava a parecer promissora.

De 1884 a 1887, Freud fez algumas das primeiras pesquisas com cocaína. De início, ficou impressionado com suas propriedades: "Eu mesmo experimentei uma dúzia de vezes o efeito da coca, que impede a fome, o sono e o cansaço e robustece o esforço intelectual" (1963). Ele escreveu a respeito de seus possíveis usos para os distúrbios tanto físicos como mentais. Por pouco tempo um defensor, tornou-se depois apreensivo em relação à suas propriedades viciantes e interrompeu a pesquisa.

Com o apoio de Brücke, Freud obteve uma bolsa e foi para Paris trabalhar com Charcot. Este demonstrou que era possível induzir ou aliviar sintomas histéricos com sugestão hipnótica. Freud percebeu que, na histeria, os pacientes exibem sintomas que são anatomicamente inviáveis. Por exemplo, na "anestesia de luva" uma pessoa não terá nenhuma sensibilidade na mão, mas terá sensações normais no pulso e no braço. Uma vez que os nervos têm um percurso contínuo do ombro até a mão, não pode haver nenhuma causa física para este sintoma. Tornou-se claro para Freud que a histeria era uma doença psíquica cuja gênese requeria uma explicação psicológica. Charcot percebeu Freud como um estudante capaz e inteligente e deu-lhe permissão para traduzir seus escritos para o alemão quando Freud voltou a Viena.

O trabalho na França aumentou seu interesse pela hipnose como instrumento terapêutico. Com a cooperação do célebre e experimentado médico Breuer, Freud explorou a dinâmica da histeria (1895). Suas descobertas foram resumidas por Freud: "Os sintomas de pacientes histéricos baseiam-se em cenas do seu passado que lhes causam grande impressão mas foram esquecidas (traumas); a terapêutica, nisto apoiada, consistia em fazê-los lembrar e reproduzir essas experiências num estado de hipnose (catarse)" (1914, livro 6, p.17 na ed. bras.). Ele achou, no entanto, que a hipnose não era tão efetiva quanto esperava. Afinal abandonou-a por completo passando a encorajar seus pacientes a falarem livremente e a relatarem o que quer que pensassem independentemente da aparente relação - ou falta de relação - com seus sintomas.

Em 1896, Freud usou pela primeira vez o termo "psicanálise" para descrever seus métodos. Sua auto-análise começou em 1897. Em 1900, ele publicou A interpretação de Sonhos, considerada por muitos como seu mais importante trabalho, apesar de, na época, não ter recebido quase nenhuma atenção. Seguiu-se, no ano seguinte, outro livro importante, Psicopatologia da Vida Cotidiana. Gradualmente, formou-se à volta de Freud um círculo de médicos interessados, incluindo Alfred Adler, Sandor Ferenczi, Carl Jung, Otto Rank, Karl Abraham e Ernest Jones. O grupo fundou uma sociedade. Documentos foram escritos, uma revista foi publicada e o movimento psicanalítico começou a expandir-se.

Em 1910, Freud foi convocado para ir à América pronunciar conferências na Universidade de Clark. Seus trabalhos estavam sendo traduzidos para o inglês. As pessoas foram se interessando pelas teorias do Dr. Sigmund Freud.

Freud passou sua vida desenvolvendo, ampliando e elucidando a psicanálise. Tentou controlar o movimento psicanalítico, expulsando os membros que discordam de suas opiniões e exigindo um grau incomum de lealdade à sua própria posição. Jung, Adler e Rank, entre outros, abandonaram o grupo após repetidas divergências com Freud a respeito de problemas teóricos. Mais tarde, cada um fundou sua própria escola escola de pensamento.

 

Quando subi ao estrado em Worcester para pronunciar minhas "Cinco Lições de Psicanálise", isto pareceu a concretização de um incrível devaneio: a psicanlálise não era mais um produto de delírio, tornara-se uma parte valiosa da realidade (1925, livro 25, p.65 na ed. bras.).

 

Freud escreveu extensivamente. Suas obras completas compõem-se de 24 volumes e incluem ensaios relativos aos aspectos delicados da prática clínica, uma série de conferências que delineiam toda a teoria e monografias especializadas sobre questões religiosas e culturais. Tentou construir uma estrutura que sobrevivesse a ele, e que eventualmente pudesse reorientar toda a psiquiatria para sua posição. Ele era constrangedor e tirânico. Temia que os analistas que se desviavam dos procedimentos estabelecidos por ele pudessem diluir o poder e as possibilidades da psicanálise. Queria, sobretudo, impedir a distorção e o uso incorreto da teoria psicanalítica. Quando, por exemplo, em 1931, Ferenczi mudou seus procedimentos de subúrbio e fez da situação analítica uma situação na qual o sentimento podia ser expresso de uma forma mais livre, Freud lhe escreveu o seguinte:

 

Percebo que as divergências entre nós atingem seu ponto culminante a partir de um detalhe técnico que vale a pena ser examinado. Você não faz segredo do fato de que beija seus pacientes e permite que eles também o beijem... Muito bem, no momento em que você decide oferecer um relato pleno de sua técnica e de seus resultados, você terá de escolher entre esses dois caminhos: ou você relata o fato ou você o esconde. Esta última hipótese, como você bem pode ver, é uma atitude desonrosa...

Agora, certamente não pertenço àquela categoria daqueles que, por pudores hipócritas ou por considerações de convencionalismos burgueses, condenam pequenas satisfações eróticas dessa espécie. Estou perfeitamente a par de que, ao tempo dos Nibelungs, um beijo era uma inocente saudação que se oferecia a qualquer espécie de hóspede ou convidado. Sou, mais ainda, de opinião que a análise é possível até na União Soviética onde, até o limite da competência do Estado, há ampla liberdade sexual. Mas isso não altera os fatos de que não estamos vivendo na Rússia e que, entre nós, o beijo significa certa intimidade erótica. Até o momento sustentamos, dentro da nossa técnica, a conclusão de que os pacientes não devem ter satisfações eróticas...

Agora, imagine qual será o resultado do conhecimento público de sua técnica. Não existe nenhum revolucionário que não seja superado por outro mais radical ainda. Certo número de franco-atiradores, em questão de técnica, dirão a si mesmos: por que parar em um só beijo? Certamente vai-se mais adiante se se adota a "bolina" que, afinal de contas, não chega a produzir uma criança. E aí outros mais audaciosos se apresentarão e irão mais adiante, a olhar e mostrar - e dentro em pouco teremos aceito na técnica da análise o repertório completo do semivirginismo e dos pais que se acariciam, o que provocaria um enorme aumento de interesse na Psicanálise, tanto entre os analistas quanto entre os pacientes. O novo adepto, no entanto, há de reclamar para si a maior parte desse interesse, o mais moço de nossos colegas achará difícil estacar no ponto que tencionava, e Deus, o pai Ferenczi, ficaria a contemplar esse quadro animado que criou e talvez dissesse para si mesmo: talvez, ao cabo de contas, devesse eu ter parado, na minha técnica de carinho maternal, antes do beijo (citado em Jones, 1955, p.719 na ed. bras.).

 

À medida que o trabalho de Freud tornava-se de modo geral mais acessível, as críticas aumentavam. Em 1933, os nazistas queimaram uma pilha de livros de Freud em Berlim. Ele comentou o fato: É um progresso o que está se passando. Na Idade Média, eles teriam jogado a mim na fogueira, hoje em dia contentam-se em queimar os meus livros" (Jones, 1957, p. 732 na ed. bras.). Quando os alemães ocuparam a Áustria, em 1938, foi permitido a Freud ir para Londres. Ele morreu um ano depois.

Os últimos anos de Freud foram difíceis. De 1923 em diante, ele esteve mal de saúde, sofrendo de câncer na boca e mandíbula. Tinha dores contínuas  e sofreu trinta e três operações para deter a doença que se expandia.

Sempre envolvido em debates a respeito da validade ou utilidade de seu trabalho, ele continuou a escrever. Seu último livro, Esboço de Psicanálise (1940, livro 7 na ed. bras.), começa com um áspero aviso aos críticos: "os ensinamentos da Psicanálise baseiam-se em um número incalculável de observações e experiências, e somente alguém que tenha repetido estas observações em si próprio e em outras pessoas acha-se em posição de chegar a um julgamento próprio sobre ela" (1940, livro 7, p.16 na ed. bras.).

O sucesso de Freud pode ser julgado não só pelo interesse e debate contínuos sobre aspectos da teoria psicanalítica, mas principalmente por suas idéias que se tornaram parte da herança comum da cultura ocidental. Todos nós devemos a Freud a revelação do mundo que repousa sob a nossa consciência.