CONSIDERAÇÕES
TEÓRICAS
HISTÓRICO
Lídia
Brunetto - Terapeuta Ocupacional do Departamento
Psiquiátrico
II da Coordenadoria de Saúde Mental da Secretaria
de Estado da Saúde de São Paulo e Sanatório
Charcot S.A - 1975 |
A
idéia de que a ocupação ou a diversão são benéficas
ao doente aparece de tempos em tempos na história da
Medicina. Entre os egípcios, 2000 a.C., seitas religiosas
usavam o entretenimento, a diversão e os passeios em
jardins de lótus, cantos ritualísticos e danças como
tratamento do humor doentio.
“Nos
templos de Esculápio, 420 a.C., os sacerdotes usavam
diversão e recreação para tratar doentes. Entre Epidauro
e Roma havia, 293 a.C., perto de 200 templos, dos quais
60 se dedicavam à cura das doenças mentais e físicas,
com a ajuda de diversões, entretenimento e leituras“
(1).
Cerca
de 20 a.C., Sêneca, o Retórico, recomendava a ocupação
para todo tipo de agitação mental. Em 172, Galeno, médico
grego, afirmava ser a ocupação o melhor médico da natureza
e essencial à felicidade humana.
Seguiu-se
um vasto período de obscuridade que só começou a ser
dissipado pelas primeiras tentativas de humanização
do tratamento dispensado aos doentes mentais. Foi com
a fundação do asilo de Saragoça, na Espanha, em 1407,
pelo frei Joffré, que surgiu a primeira organização
que instituiu o trabalho como uma das fórmulas de tratamento
dos doentes. Felipe Pinel, da França, teve oportunidade
de visitar esse asilo, voltando de lá bastante impressionado
com os benefícios obtidos naquela instituição. E a Revolução
Francesa (1789) ao difundir novas idéias relativas à
defesa do ser humano, permitiu a Pinel (1745-1824) lançar
as bases da moderna assistência psiquiátrica: quando
Pinel, em 1793, assumiu a direção do Hospício Bicêtre,
encontrou a situação dos alienados de tal forma trágica,
que tomou para si a reforma assistencial, simbolizada
historicamente pela quebra dos grilhões que mantinham
presos os infelizes insanos de espírito. A terapêutica
do trabalho foi, então, introduzida como parte integrante
de sua reforma.
Em
1813, Albert Shase, da Pensilvânia (EUA), afirmava:
“Nenhuma forma de tratamento do doente mental é mais
valiosa do que a ocupação sistematicamente aplicada
e judiciosamente levada a termo. “Na Inglaterra, em
1815, Samuel Tuque propunha a introdução do trabalho
terapêutico nos hospitais ingleses. Jean Etienne Esquirol,
no livro “Des maladies mentales”, em 1863, escreveu:
“O trabalho é um estimulante geral; com ele distraímos
a atenção do doente de sua moléstia; fixamos sua atenção
em coisas razoáveis; tornamos a dar-lhe hábitos de ordem;
estimulamos sua inteligência e, com isso, recuperamos
muitos desses desafortunados.”
Amariah
Brigham (1844) e Todd afirmaram que não deve haver preocupação
com os aspectos econômicos (de ganho) do trabalho, mas
sim com o afastamento do doente de suas fantasias mórbidas;
em chamar sua atenção, estimular seu interesse, levá-lo
a retomar métodos, de pensar e de ocupar-se, naturais
e sadios. O valor terapêutico da ocupação passou a ser
levado em conta, o que deu maior consistência ao tratamento
ocupacional.
No
começo deste século, o Dr. Simon procurava dar alguma
forma de ocupação para cada paciente do hospital psiquiátrico
que estivesse capacitado para tal. Nessa época, o tratamento
ocupacional ficava a cargo do corpo de enfermagem. Em
1915, Thomas Eddy do New York Hospital prescrevia tipos
diferentes de ocupação para maníacos e deprimidos. Eddy
foi um dos primeiros a utilizar ocupações com objetivos
definidos e as prescrevia levando em conta a personalidade,
a doença e as habilitações do doente.
As
postulações de Simon praticadas apenas no campo dos
trabalhos manuais não incluíam distinção entre os vários
tipos de doentes, mas foi Karl Schneider, em 1937, quem
enfatizou suas indicações em pacientes agudos.
A
TERAPIA OCUPACIONAL NO BRASIL
As
idéias sobre assistência psiquiátrica imperantes após
a Revolução Francesa tiveram uma influência maior e
mais imediata no Brasil do que em Portugal, tendo sido
um dos fatores determinantes para isso a vinda da família
real portuguesa para o Brasil.
Já
em 1854, no Hospício Pedro II havia oficinas de sapataria,
alfaiataria, marcenaria, florista e desfiação de estopa.
Em 1903, Juliano Moreira foi nomeado diretor do Serviço
de Assistência Psiquiátrica pelo estímulo do trabalho
como meio de beneficiar os doentes (1). Em 1911, Juliano
Moreira criou uma colônia para mulheres em Engenho de
Dentro (Rio de Janeiro) onde a terapêutica pelo trabalho
passou a ser executada com maior extensão. No entanto,
foi com a criação da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá,
que o tratamento pelo trabalho tomou grande impulso,
principalmente os trabalhos do campo (plantio de frutas,
cultivo de hortas, criação de gado etc.).
Em
São Paulo, sob a designação de Praxiterapia, foi o tratamento
pelo trabalho introduzido por Franco da Rocha e desenvolvido
por Pacheco e Silva. A finalidade desse serviço era
a de “beneficiar o doente com uma ocupação livremente
escolhida, metodicamente dirigida e só eventualmente
útil ao hospital”.
CONCEITO
Dentre
as inúmeras definições escolhemos Terapia Ocupacional
que tem sido definida pela AOTA - American Ocupational
Therapy Association - como “todo tipo de trabalho ou
de recreação tanto física como mental, prescrita e guiada
com objetivo de contribuir e apressar a recuperação
de indivíduos acometidos por uma doença. Ela consiste
em ocupação selecionada e prescrita para cada paciente
em particular, de acordo com suas necessidades. Ela
é uma forma especial de tratamento e, como qualquer
outra, também deve contribuir para apressar a recuperação
dos pacientes com comprometimento físico ou mental”
(1, 16, 21).
OBJETIVOS
Azima
- para este autor a Terapia Ocupacional tem por objetivo
auxiliar no diagnóstico, detectar mudanças de personalidade,
além da função terapêutica que se efetuaria pela exploração,
gratificação das necessidades e formação de defesas
do ego (2);
Blaya
- “O primeiro axioma e o mais importante dos objetivos
da Terapia Ocupacional é proporcionar ao paciente oportunidade
para a expressão ou a sublimação de impulsos instintivos
e das necessidades emocionais, conscientes e/ou inconscientes.
Além da relação interpessoal intragrupal, conta-se com
a atividade propriamente dita.” (3);
Cerqueira
- aponta à Terapia Ocupacional os seguintes objetivos:
atividade, sociabilidade, espontaneidade. Tais objetivos
são os mesmos citados por Froebel em sua obra “Educação
do Homem” e para seu emprego assim se justifica Cerqueira:
“Não vemos o adulto como uma criança grande, por mais
regredido mentalmente que ele esteja. Mas sabendo-se
a importância dos arcaísmos infantis no adulto, mesmo
normal, não nos parece inconveniente aplicar as técnicas
baseadas em concepções froebelianas. O autêntico jardim-de-infância
é para nós um tratamento psicológico para seres em evolução;
não ensina, prepara para a aprendizagem. Exatamente
como a Terapia Ocupacional, preparando para a Reabilitação
a partir das partes conservadas da personalidade, e
das que vão melhorando com seus próprios métodos adaptados
ao adulto, ou com técnicas médicas e psicológicas outras.
Fidler
- “O objetivo essencial da Terapia Ocupacional é o de
proporcionar uma situação terapêutica na qual os pacientes
tenham a oportunidade de expressão e sublimação das
necessidades emocionais. O mais importante da situação
é a manipulação das relações entre o paciente e o terapeuta.
Demais, ela é utilizada como método auxiliar de diagnóstico
e de avaliação da personalidade. Visa, também, ao aspecto
socioeconômico, ao precisar habilidades e aptidões;
incentiva a participação e a cooperação grupal e, nos
pacientes muito regredidos, atua como processo reeducativo”
(10);
Hamorth
- O objetivo da Terapia Ocupacional é ajudar no estabelecimento
do paciente:
-fisicamente:
restaurando a função de articulações incapacitadas,
aumentando a resistência à fadiga, prevenindo a deterioração
física geral e desenvolvendo a coordenação física e
psíquica;
-psicologicamente:
nesse aspecto a ocupação tem um efeito normalizador.
Ela desperta interesses e ajuda a desenvolver a atenção;
proporciona descarga emocional, pode contribuir para
satisfação de necessidade de criar e experimentar; pode
ajudar na edificação da auto-estima, substituindo o
desencorajamento pelo encorajamento;
-socialmente:
nesse aspecto ela encoraja atividades grupais, responsabilidade
e cooperação no intercâmbio de experiências de trabalho
que têm um indubitável efeito na “atmosfera” do grupo
de trabalho, seja na enfermaria ou na oficina;
-economicamente:
embora Terapia Ocupacional seja “tratamento pela ocupação”
e não deva ser confundida com treinamento profissional,
ela oferece o primeiro passo para o retorno ao antigo
ou mesmo novo trabalho e oferece campo para experiências.
Pode ajudar ainda na descoberta de novos interesses
ou aquisição de destreza necessária para o retorno ao
trabalho. (12);
Silveira
- falando sobre Sivadon, diz: “O papel da terapêutica
ocupacional não será distrair o doente nem obter que
ele realize um trabalho vantajoso para a economia hospitalar.
Será, como diz Sivadon, fornecer-lhe condições de relação
com o mundo exterior que solicitem sua capacidade adaptativa
existente na ocasião. A experiência demonstra que o
exercício dos modos de adaptação de baixo nível permite
a reestruturação da personalidade pela passagem através
de níveis progressivamente mais elevados. À medida que
o doente se adapta, exerceremos sobre ele pressão que
o impulsione a progredir. A ocupação só terá caráter
terapêutico, diz Sivadon, quando visa a reestruturar
a personalidade, conduzindo-a a subir níveis funcionais
progressivamente mais altos.” (27);
Simon
- considera indispensável a ação conjunta da ocupação
individualizada e educação terapêutica para a restituição
ao doente de um modo de vida ordenado e útil. “O tratamento
deve aspirar constantemente reintroduzir a lógica sã
na vida e no mundo ideológico dos doentes, e seu primeiro
axioma é que tudo o que se faz deve ter sentido e finalidade.
“Justifica a proposição do uso de uma metodologia pedagógica
por ser a psicologia do doente mental, especialmente
em relação a atitudes anti-sociais, comparável à psicologia
da criança. Em virtude disso, a reeducação e a ergoterapia
devem ser efetuadas com uma metodologia pedagógica.
Visando organizar as atividades, estabeleceu uma gradação
- análoga à escolar - para os trabalhos, escalando-os
de acordo com as dificuldades apresentadas:
(a)
ocupações de grau inferior (como veremos adiante
são utilizadas para Pacientes Mais Necessitados - PMN)
- ocupações de máxima simplicidade que não exigem esforço
de atenção nem independência do doente. Ex.: ajudar
a transportar objetos, comida e roupa; carregar terra
em carrinho de mão; executar trabalhos domésticos de
muita simplicidade, como tirar o pó dos móveis etc.;
executar tarefas que exijam movimentos digitais elementares
e repetitivos como trançar para fabricação de esteiras,
desfiar lã ou fibras.
(b)
ocupações de 2.º grau (estas, no Hospital São
João as denominamos AI - Atividades Internas como será
explanado adiante) - trabalhos mecânicos que requeiram
pouca atenção ou iniciativa. Esses trabalhos devem exigir
bastante tempo para execução a fim de que os pacientes
possam habituar-se. Ex.: arrancar erva daninha (desde
que não seja necessária uma atenção especial, como por
exemplo, em prados grandes, porém nunca entre verduras
tenras pelas quais se deve ter cuidado especial), adubar
a horta. Recomendam-se, também, trabalhos domésticos
de toda espécie, em caráter de ajuda a um empregado.
(c)
ocupações de 3.º grau (AI - mais elaboradas)
- trabalhos que exijam atenção, iniciativa e inteligência
regulares. Ex.: cardar lã, tecer tecido liso em um tear
de dois pedais, consertar roupas, trabalhar com vime
(trançar o fundo dos cestos); ajudar em serviços de
cozinha (descascar batatas, lavar legumes) e de limpeza
em geral, ordenhar animais; executar independentemente
trabalhos regulares de transporte, como levar diariamente
a lenha e legumes à cozinha. Os trabalhos domésticos
já podem ser confiados com inteira independência aos
pacientes deste grau, sem vigilância.
(d)
ocupações de 4.º grau (AE - Atividades Externas)
- trabalhos que requerem boa atenção e uma reflexão
quase normal. Ex.: executar trabalhos especializados
de agricultura e jardinagem; confeccionar roupas, trabalhos
manuais delicados de toda espécie; colaborar mais independentemente
na cozinha e lavanderia substituindo trabalhadores de
rotina normais; tecer em tear de quatro pedais.
(e)
ocupações de 5.º
grau (AE - Paciente em condições de assumir
suas responsabilidades já em seu domicílio) - ocupações
que exigem plena capacidade de rendimento equiparável
ao rendimento de um indivíduo normal da mesma classe.
É conveniente confiar a esses pacientes, na medida em
que tenham capacidade de desempenho, cargos de responsabilidade
como direção de pequenos grupos de trabalhadores, serviço
telefônico, portaria, correio e despachos. (28)
...
A responsabilidade e a missão do terapeuta ocupacional
(no Hospital São João participa da mesma toda a equipe
multiprofissional) consistem em ajudar o paciente através
de uma avaliação cuidadosa de seu problema e da utilização
das situações e atividades apropriadas nos aspectos
físico, psicológico, social e econômico de sua vida;
competência para comunicar-se, para estabelecer relações
interpessoais, para chegar a adaptar-se ao seu trabalho
e estar capacitado a desempenhá-lo, para desfrutar das
diversões; competência para ocupar, na sua vida, o lugar
apropriado na forma mais conveniente...”(14)
Como
atributos de um bom profissional, qualquer que seja
sua área de atuação (serviço social, psicologia, terapia
ocupacional, enfermagem, médicos e demais funcionários
que atendem ao doente mental) os autores apontam: amizade;
capacidade; segurança; sinceridade; controle de emoções;
disponibilidade para ajudar o paciente, compreendendo
o significado de sua conduta e manejando adequadamente
as técnicas de apoio; conhecimento; bom-senso e experiência
para discernir sobre quem precisa de estímulo, de atenção,
de atitudes firmes e de aprovação.
OBJETIVOS
Atividade Motora (Práxis)
Sociabilidade
Espontaneidade |
MÉTODOS
Predominantemente ativos
Predominantemente sociais
Predominantemente auto- expressivos |
TÉCNICAS
Esportes, trabalhos manuais
Recreação, Serviço Social
Arte não convencional |
EXERCÍCIOS
Esportes, madeira, couro, tr. domésticos, fibras,
agropecuários
Festas folclóricas, religiosas,
cívicas, de aniversário; excursões, cinema,
rádio, TV, banda, coral.
Desenho, pintura, escultura,
cerâmica, literatura, improvisação com fantoches |
A
PRÁTICA DA TERAPIA OCUPACIONAL NO
HOSPITAL
SÃO JOÃO
A
característica básica das atividades na Comunidade Terapêutica
é a espontaneidade na participação de seu integrante.
Não existe um programa fixo de atividades para pacientes;
este será organizado de acordo com as necessidades,
o desejo e as preferências do grupo de pacientes e terapeutas
na micro-equipe (reunião semanal em que participam:
médico psiquiatra, enfermeiro supervisor, terapeuta
ocupacional, psicólogo e assistente social de cada grupo
de pacientes).
Os
pacientes exercem várias atividades que se estruturam
em comissões, sendo estas internas e externas.
As
comissões de atividades externas são assim chamadas,
porque são realizadas em uma área do hospital em que
participam conjuntamente, pacientes de ambos os sexos
e compreendem várias atividades exercidas por aqueles
em melhores condições.
As
comissões de atividades internas, são específicas de
cada área, masculina e feminina, funcionando independentemente.
Compreendem atividades para pacientes em início de tratamento,
primordialmente, que ainda não apresentam condições
de freqüentar a área externa.
ORGANOGRAMA
DAS COMISSÕES
PMN
(Pacientes Mais Necessitados)
Comissão de Passeio
Comissão de Trabalhos Manuais - Atividades mais
regressivas
Comissão de Esportes e Recreação
AI
(Atividades Internas)
Comissão de Higiene Ambiental
Comissão de Trabalhos Manuais - Grau de elaboração
1
Comissão de Esportes e Recreação
Comissão de Cultura e Imprensa - Grau de elaboração
1
Comissão de Copa e Cozinha - Grau de elaboração
1
Comissão de Saúde Pessoal - Grau de elaboração
1
Comissão de Artes e Festas - Grau de elaboração
1
AE
(Atividades Externas)
Comissão de Portaria e Recepção
Comissão de Auxiliares de Enfermagem
Todas as demais comissões citadas em grau de
elaboração 2
|