logo_cabeçalho.jpg
indice_relmedpac.jpg

 

Legislação

 

Índice de Assuntos

 

PSIQUIATRIAGERAL.COM.BR

 

PARECER JURÍDICO SOBRE O ACESSO PELOS PROFISSIONAIS NÃO MÉDICOS DA FISCALIZAÇÃO DO SUS AO PRONTUÁRIO E LAUDO MÉDICO DE PACIENTE INTERNADO EM HOSPITAL E SOBRE A REALIZAÇÃO DE EXAME E ENTREVISTA COM O PACIENTE SEM CONHECIMENTO DO MÉDICO ASSISTENTE.

 

        INTERESSADO: Hospitais e Clínicas de Psiquiatria filiados à Federação Brasileira de Hospitais.

        ASSUNTO: Representação assinada por médicos e diretores técnicos de hospitais e clínicas de psiquiatria consigna que profissionais não médicos (psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e outros) integrantes da Equipe de Supervisão ou Auditoria do SUS têm manuseado prontuário médico, laudo médico e documentos que contém dados da história médica de paciente, bem como, realizado entrevista de paciente e de seu familiar sem autorização do médico assistente responsável pelo paciente internado.

        QUESTÕES: Se é vedado aos profissionais não médicos da fiscalização do SUS acesso ao prontuário e laudo médico, bem como, a documentos que contêm informações médicas relativas ao estado e diagnóstico de paciente, como também, a realização de entrevista de paciente e de seu familiar sem autorização do Médico Responsável pelo tratamento do paciente.

 

  FUNDAMENTAÇÃO

    Inicialmente, impõe-se reconhecer que em 09/04/2001 foi publicada a Lei 10.216/2001, que veio a dispor, especificamente, sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental.


        Em razão do princípio da especialidade, todo e qualquer procedimento voltado ao atendimento à pacientes portadores de transtornos mentais deverá estar em consonância com a Lei 10.216/2001, que funciona como elemento norteador, informativo e interpretativo das demais normas que disciplinam a matéria.


        Referido dispositivo legal, em seu art. 2º, parágrafo único, elenca, de forma não exauriente, direitos dos portadores de transtornos mentais, a saber:

Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.

Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
(...)
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas.”


        Os direitos acima transcritos, estão em consonância, primeiramente, com o princípio da dignidade da pessoa humana, com sede constitucional, além dos direitos e garantidas individuais assegurados pela carta magna, como o direito de acesso à saúde, o direito à inviolabilidade da intimidade, vida privada, etc.


        A Lei 10.216/01, assegura ao paciente portador de transtorno mental, que o seu tratamento terá o objetivo único e exclusivo de beneficiar a sua saúde, da mesma forma como garante ao mesmo o direito ao sigilo acerca das informações prestadas.


     Sabe-se que as informações referentes às condições de saúde, dados específicos sobre o tratamento ministrado, diagnósticos, prescrições, etc., são lançadas no prontuário médico do paciente, sendo, portanto, referido documento protegido de forma especial, sendo evidente que o acesso ao mesmo sofra diversas restrições.


        A Lei 3.268/57 outorga ao Conselho Federal de Medicina autoridade para disciplinar o exercício da medicina em todo o território nacional, atribuindo, assim, coercibilidade às Resoluções e pareceres normativos oriundos do referido órgão.


        Portanto, por atribuição legal, o CFM, através de suas Resoluções ou pareceres normativos tem competência soberana para disciplinar toda a matéria pertinente ao exercício da medicina, dentre o que se inclui questões referentes ao prontuário médico e o acesso ao mesmo.

        As instituições hospitalares (hospitais, clínicas, casas de saúde e outras) para funcionarem em todo território nacional devem observar o disposto no artigo nº 28 do Decreto Federal nº 20.931 de 1932 que determina a obrigatoriedade de um médico diretor técnico ser responsável pelo funcionamento do estabelecimento. Assim caracterizado que a atividade exercida em hospitais está, plenamente, subordinada aos preceitos técnicos da Medicina e por conseqüência ao Código de Ética Médica.


      A responsabilidade do Médico Diretor Técnico de estabelecimento de saúde implica na obrigação de supervisão e coordenação de todos os serviços técnicos conforme o Art. 11 da Resolução CFM nº 997/80 que diz:

Art. 11 - O Diretor Técnico Médico, principal responsável pelo funcionamento dos estabelecimentos de saúde, terá obrigatoriamente sob sua responsabilidade a supervisão e coordenação de todos os serviços técnicos do estabelecimento, que a ele ficam subordinados hierarquicamente.”


         A resolução CFM nº 1.605 de 2000 determina em seu artigo 1º que “O médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica” e a resolução CREMERJ nº 121 de 1998 bem define “Ato Médico”, enumera critérios e exigências para o exercício da profissão médica e dá outras providências, nos seguintes termos:

Art. 1º - ATO MÉDICO é a ação desenvolvida visando a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação das alterações que possam comprometer a saúde física e psíquica do ser humano.

§ 1º - ATO MÉDICO exige, para a sua execução, a graduação em Medicina em curso reconhecido pelo Ministério da Educação e Desporto e a inscrição no Conselho Regional de Medicina.

§ 2º – Cabe, exclusivamente, ao médico a realização de consulta médica, a investigação diagnóstica e a terapêutica.

§ 3º – Todos os documentos emitidos, decorrentes da ação desenvolvida pelo profissional médico, assim como os resultados de exames complementares para elucidação diagnóstica, o atestado de saúde, de doença e de óbito, são compreendidos como integrantes do ato médico.

§ 4º – As demais atividades de assistência à saúde na prevenção, no auxílio diagnóstico ou terapêutico e na reabilitação, constituem complemento à prática médica, como também os programas específicos do Ministério da Saúde disciplinados em lei.

§ 5º – Os exames médico-legais são de exclusiva competência do médico.

Art. 2º – É vedado ao médico atribuir ou delegar funções de sua exclusiva competência para profissionais não habilitados ao exercício da Medicina.

Art. 3º – Os médicos dirigentes de serviços de saúde, públicos ou privados, serão responsabilizados nos termos do Código de Ética Médica quando, por ação ou por omissão, permitirem a prática de ato médico por outros Profissionais de Saúde.

Art. 4º – A infração ao disposto nesta Resolução configura exercício ilegal da Medicina.

Art. 5º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.” (G.N.)


        Por conseguinte o prontuário médico, o laudo médico, os dados obtidos pelo profissional médico, e os documentos elaborados com esses dados são considerados resultantes de “Ato Médico”, estando assim protegidos pelo segredo médico - sigilo profissional.


        A publicação “A MEDICINA E OS ATOS MÉDICOS - Em defesa da população à assistência médica digna e de qualidade” do Conselho Federal de Medicina aprofunda a definição de “ATO MÉDICO” e trás à luz considerações sobre a Psicologia, pertinente considerar neste parecer porque, no âmbito do SUS, os psicólogos têm atuado sobremaneira em unidades médicas ambulatoriais e hospitalares, como também, integrando equipe de auditoria regular e de avaliação de hospitais de psiquiatria na aplicação da classificação PNASH versão psiquiatria quando acessam prontuários e entrevistam pacientes, sem a devida qualificação técnica e profissional, é o que se extrai do tópico “IV A psicologia não é a medicina da mente”, verbis:

        “Medicina e Psicologia são atividades profissionais radicalmente diferentes, se bem que complementares. A Medicina se incumbe do diagnóstico e da profilaxia das enfermidades e do tratamento e reabilitação dos enfermos, empregando, para tanto, todos os recursos possíveis. A Psiquiatria é a especialidade médica que diagnostica as enfermidades mentais e da conduta, enquanto a Psicologia utiliza-se unicamente de métodos e técnicas psicológicas para atender pessoas com problemas de ajustamento ou desenvolvimento.”


        In casu, tais considerações afiguram-se relevantes, posto que, no âmbito do SUS, como informado pelos Consulentes, profissionais psicólogos têm atuado sobremaneira em unidades médicas ambulatoriais e hospitalares, bem como integrado equipes do SUS de auditoria regular e de avaliação de hospitais de psiquiatria, na aplicação da classificação PNASH versão psiquiatria, oportunidade em que, na qualidade de “fiscais”, têm acessado prontuários e entrevistado e examinado pacientes, sem a devida qualificação profissional.


           A resolução CFM nº 1.614/2001 trata da auditoria médica e acesso ao prontuário médico, nos seguintes termos:

       O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n.º 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO a necessidade de disciplinar a fiscalização praticada nos atos médicos pelos serviços contratantes de saúde;

CONSIDERANDO que a auditoria do ato médico constitui-se em importante mecanismo de controle e avaliação dos recursos e procedimentos adotados, visando sua resolubilidade e melhoria na qualidade da prestação dos serviços;

CONSIDERANDO que a auditoria médica caracteriza-se como ato médico, por exigir conhecimento técnico, pleno e integrado da profissão;

CONSIDERANDO que o médico investido da função de auditor encontra-se sob a égide do preceituado no Código de Ética Médica, em especial o constante nos artigos 8º, 16, 19, 81, 108, 118 e 121;


CONSIDERANDO o disposto no Decreto nº 20.931/32;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido em Sessão Plenária de 8 de fevereiro de 2001,

RESOLVE:

Art. 1º - O médico, no exercício de auditoria, deverá estar regularizado no Conselho Regional de Medicina da jurisdição onde ocorreu a prestação do serviço auditado.

Art. 2º - As empresas de auditoria médica e seus responsáveis técnicos deverão estar devidamente registrados nos Conselhos Regionais de Medicina das jurisdições onde seus contratantes estiverem atuando.

Art. 3º - Na função de auditor, o médico deverá identificar-se, de forma clara, em todos os seus atos, fazendo constar, sempre, o número de seu registro no Conselho Regional de Medicina.

Art. 4º - O médico, na função de auditor, deverá apresentar-se ao diretor técnico ou substituto da unidade, antes de iniciar suas atividades.

Art. 5º - O diretor técnico ou diretor clínico deve garantir ao médico/equipe auditora todas as condições para o bom desempenho de suas atividades, bem como o acesso aos documentos que se fizerem necessários.

Art. 6º - O médico, na função de auditor, se obriga a manter o sigilo profissional, devendo, sempre que necessário, comunicar a quem de direito e por escrito suas observações, conclusões e recomendações, sendo-lhe vedado realizar anotações no prontuário do paciente.


Parágrafo 1º - É vedado ao médico, na função de auditor, divulgar suas observações, conclusões ou recomendações, exceto por justa causa ou dever legal.

Parágrafo 2º - O médico, na função de auditor, não pode, em seu relatório, exagerar ou omitir fatos decorrentes do exercício de suas funções.

Parágrafo 3º - Poderá o médico na função de auditor solicitar por escrito, ao médico assistente, os esclarecimentos necessários ao exercício de suas atividades.

Parágrafo 4º - Concluindo haver indícios de ilícito ético, o médico, na função de auditor, obriga-se a comunicá-los ao Conselho Regional de Medicina.

Art. 7º - O médico, na função de auditor, tem o direito de acessar, in loco, toda a documentação necessária, sendo-lhe vedada a retirada dos prontuários ou cópias da instituição, podendo, se necessário, examinar o paciente, desde que devidamente autorizado pelo mesmo, quando possível, ou por seu representante legal.

Parágrafo 1º - Havendo identificação de indícios de irregularidades no atendimento do paciente, cuja comprovação necessite de análise do prontuário médico, é permitida a retirada de cópias exclusivamente para fins de instrução da auditoria.

Parágrafo 2º - O médico assistente deve ser antecipadamente cientificado quando da necessidade do exame do paciente, sendo-lhe facultado estar presente durante o exame.

Parágrafo 3º - O médico, na função de auditor, só poderá acompanhar procedimentos no paciente com autorização do mesmo, ou representante legal e/ou do seu médico assistente.

Art. 8º - É vedado ao médico, na função de auditor, autorizar, vetar, bem como modificar, procedimentos propedêuticos e/ou terapêuticos solicitados, salvo em situação de indiscutível conveniência para o paciente, devendo, neste caso, fundamentar e comunicar por escrito o fato ao médico assistente.

Art. 9º - O médico, na função de auditor, encontrando impropriedades ou irregularidades na prestação do serviço ao paciente, deve comunicar o fato por escrito ao médico assistente, solicitando os esclarecimentos necessários para fundamentar suas recomendações.

Art. 10 - O médico, na função de auditor, quando integrante de equipe multiprofissional de auditoria, deve respeitar a liberdade e independência dos outros profissionais sem, todavia, permitir a quebra do sigilo médico.

Parágrafo único - É vedado ao médico, na função de auditor, transferir sua competência a outros profissionais, mesmo quando integrantes de sua equipe.


Art. 11 – Não compete ao médico, na função de auditor, a aplicação de quaisquer medidas punitivas ao médico assistente ou instituição de saúde, cabendo-lhe somente recomendar as medidas corretivas em seu relatório, para o fiel cumprimento da prestação da assistência médica.

Art. 12 – É vedado ao médico, na função de auditor, propor ou intermediar acordos entre as partes contratante e prestadora que visem restrições ou limitações ao exercício da Medicina, bem como aspectos pecuniários.

Art. 13 – O médico, na função de auditor, não pode ser remunerado ou gratificado por valores vinculados à glosa.

Art. 14 – Esta resolução aplica-se a todas as auditorias assistenciais, e não apenas àquelas no âmbito do SUS.

Art. 15 – Fica revogada a Resolução CFM nº 1.466/96.

Art. 16 – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.


        A simples leitura da Resolução transcrita acima deixa patente ser absolutamente injustificável que profissionais não médicos, investidos na função de auditores, tenham acesso ao prontuário médico e/ou outros documentos que contenham informações do paciente, acobertadas por sigilo.

        Profissionais que não estejam subordinados aos regramentos normativos e éticos referentes ao exercício da medicina, em tese, não estariam obrigados a manter sigilo acerca das informações obtidas com o acesso ao prontuário, daí ser expressamente vedado tal procedimento.

        Também fica claro que profissionais que não sejam médicos, mesmo quando integrando equipe de auditoria, não podem realizar entrevista com pacientes portadores de transtornos mentais com o objetivo de avaliar os serviços prestados pelo hospital. A uma, porque tal entrevista também caracteriza ato privativo de médico, a duas, porque o paciente portador de transtorno mental tem assegurado o direito ao sigilo, e inviolabilidade de sua intimidade e vida privada e, a três, porque o inciso II, do parágrafo único, do art. 2º da Lei 10.216/01 determina que todo e qualquer tratamento ministrado ao paciente portador de transtorno mental deverá ter como finalidade única e exclusiva beneficiar diretamente sua saúde.

        Por fim, com relação à responsabilidade do médico assistente e, principalmente, do profissional investido na função de Diretor Técnico do estabelecimento hospitalar, impõe-se que estes venham a zelar pelo efetivo cumprimento das Resoluções e demais normas acima relacionadas, sob pena de responderem pela omissão.

 

CONCLUSÃO

        1. A auditor médico do SUS pode solicitar a exibição de prontuário médico, laudo médico e outros documentos inerentes, via solicitação ao Médico Diretor Técnico da instituição hospitalar conforme determina a Resolução nº 1.614/2001, entretanto não pode transferir sua responsabilidade de avaliação e análise para outros profissionais não médicos mesmo que integrantes da sua Equipe de Supervisão ou de Auditoria, sob pena de estar infringindo o Art. 2º da resolução CREMERJ nº 121 de 1998 e, assim, permitindo a quebra do sigilo médico também infringe o Art. 30 e Art. 108 do Código de Ética Médica;

        2. É competência exclusiva do Médico Auditor do SUS a realização de exame ou entrevista com o paciente que para se realizar deve ser comunicada previamente ao Médico Assistente sendo facultado estar presente durante o exame, conforme o parágrafo 2º do Art. 7º da Resolução CFM nº 1.614/2001;

        3. O Médico Diretor Técnico, Assistente do Paciente e Auditor do SUS devem garantir o sigilo profissional de prontuário médico, laudo médico, documentos e dados do paciente sob pena de infração do Art. 11 e Art. 45 do Código de Ética Médica;

        4. O acesso de profissionais não médicos da Equipe do SUS a prontuário médico, documentos e dados resultantes de “Atos Médicos” podendo ser caracterizado como exercício ilegal de medicina capitulado no Art. 282 do Código Penal; e

        5. O prontuário médico pertence ao paciente e a quebra do sigilo profissional - segredo médico pelo médico Diretor Médico da instituição ou Assistente do paciente ou Auditor do SUS que caracterize violação do segredo profissional implica em grave infração Ética, como também, penal capitulada no Art. 154 do Código Penal passível de obrigação de indenizar.

       6. O Médico Assistente e o Diretor Técnico do estabelecimento têm a obrigação legal e ética de zelar pelo cumprimento das normas emanadas dos Conselhos Federal e Regional de medicina, cabendo aos mesmos garantir os direitos assegurados aos pacientes portadores de transtornos mentais, sob pena de responderem pela omissão;

       É o parecer, em 7 (sete) laudas.

Rio de Janeiro, 10 de Dezembro de 2003

RAPHAEL DODD MILITO
ADVOGADO – OAB/RJ 100.949