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Legislação

 

Índice de Assuntos

 

PSIQUIATRIAGERAL.COM.BR

Consentimento Informado na Relação entre Profissionais,

Instituições de Saúde e seus Pacientes

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Gilberto Baumann de Lima
baumann@inbrapenet.com.br
Advogado

 

Consentimento Informado do Paciente para o Tratamento de Saúde


Introdução


        Tema sumamente importante, o consentimento informado do paciente para o tratamento de saúde, passa a despertar crescente interesse em todos os âmbitos do seu estudo.

        São inúmeras as vantagens decorrentes do desenvolvimento de todo um processo voltado a consumar o consentimento informado do paciente válido moral e juridicamente.

        É ilusão acreditar que através da obtenção da assinatura do paciente em documento não válido legalmente, existam direitos e deveres mútuos gravitando e regulando a conduta das partes. É imperativo um aprofundamento no debate e estudo do tema para que todo um conjunto de atitudes e documentos goze do respeito da comunidade jurídica, além, por evidente, das partes envolvidas no relacionamento havido entre profissional de saúde e paciente.

        Quando ocorre o consentimento informado do paciente, as definições e contornos do relacionamento entre este e o profissional de saúde ou, daqueles que permeiam a atuação do profissional de saúde e os responsáveis legais pelo paciente, tornam-se evidentes, expressos e não presumidos.

        Ora, se as obrigações assumidas pelo profissional de saúde no que toca ao seu paciente estiverem bem aduzidas, de maneira a gerar o entendimento necessário dos seus limites de atuação, dos riscos delas decorrentes, bem como de outras alternativas de tratamento, qualquer desejo do paciente além dessas fronteiras merecerá da parte do Direito sérias dúvidas, pois estarão distantes do que foi acordado entre as partes.

        Afirmar que as obrigações assumidas pelo profissional de saúde em relação ao seu paciente, estão bem aduzidas implica no preenchimento de inúmeros requisitos legais contidos neste trabalho, sem o que poderemos pender para este ou aquele prato da balança, conduta que redundaria na inocuidade da providência do consentimento informado.

        A providência do consentimento informado do paciente em relação ao profissional de saúde é medida que pode evitar inúmeros confrontos entre ambos, mesmo tendo-se em conta uma relação de boa-fé.

        Nossa sociedade muda celeremente em razão da globalização que já é uma realidade. Hoje o paciente é muito mais exigente do que antes, com ou sem razão, vale dizer, os profissionais de saúde freqüentemente se vêem expostos a situações de angústia e desprestígio antes jamais imaginadas, mesmo tendo agido dentro dos ditames da sua lex artis. (Culpabilidade do Médico e a Lex Artis, Ed. Revista dos Tribunais, RT – 695/422;)

        Dessa maneira, o que se tem por escopo é, embora de maneira breve nesta oportunidade, trazer aos profissionais de saúde, algumas ponderações sobre o instituto do consentimento informado, medida preventiva, sumamente importante para evitar demandas judiciais ou administrativas contra aqueles que militam com seriedade nas suas respectivas áreas, oferecendo a cada dia mais esperanças para toda a nossa população.

 

Gilberto Baumann de Lima
Advogado
Presidente da ABARS
Associação Brasileira de Administração dos Riscos na Saúde

 

1. Consentimento

a. Consentimento: conceito e abrangência

        Imperativo se torna fixar o entendimento do que se entende por consentimento e consentimento informado.

      No léxico brasileiro encontramos, inicialmente, o seguinte conceito de consentimento: manifestação favorável a que (alguém) faça (algo); permissão, licença.

        Já se nota, desde a primeira conceituação que o consentimento guarda a idéia de manifestação favorável para que o profissional de saúde faça algo e, para tanto, o paciente ou seu representante legal haverá de exteriorizar a sua permissão, sua licença.

     O mesmo compêndio recém referido, ao tratar do ato de consentir, assim aduz: não por obstáculo, não criar impedimento, dar consentimento, permitir, deixar. (Ob. Cit. P. 807)

        Dessa maneira pode-se entender que o profissional de saúde poderá atuar em relação a um considerado paciente desde que e, quando, este não criar impedimento, não colocar obstáculo, der permissão, deixar que nele (paciente) atue.

        Resta claro que ao reconhecimento jurídico do direito de quem cola grau em faculdade de saúde (medicina, odontologia, psicologia, enfermagem, etc.), de exercer sua profissão, contrapõe-se outro direito, qual seja o do paciente dar o consentimento para que o primeiro direito se concretize.

     Assim, emana do significado do vocábulo – consentimento – a idéia de permissão, autorização dirigida à atuação profissional e regular do prestador de serviços junto ao paciente.

        No Dicionário Aurélio, o raciocínio ora urdido caminha na mesma direção: 1. ato de consentir. 2. Permissão, licença. 3. Anuência, aprovação, acordo...

        Aurélio faz acrescentar a idéia de aprovação e de acordo, aos conceitos até aqui elencados, vale dizer, o profissional de saúde somente tratará do paciente mediante prévio acordo, em razão da sua aprovação.

        No Michaelis, não é diferente: 1. Ato de consentir; anuência: aquiescência, permissão. 2. Concordância de idéias. 3. Acordo. 4. Tolerância.

        No léxico legal, temos que o consentimento é:

      Derivado do verbo latino “consentire” (ter o mesmo sentir, estar de acordo, concordar), na terminologia jurídica, a acepção de manifestação da vontade, séria e definitiva, em virtude da qual a pessoa , concordando com os desejos de outrem, vincula-se à obrigação ou obrigações, que servem de objeto ao ato jurídico firmado entre elas.

      Na Enciclopédia de Direito o conceito de consentimento assim está vazado: Na terminologia jurídica significa manifestação favorável da vontade à prática de ato ou celebração de contrato ou obrigações. O termo é empregado também com o sentido de anuência, assentimento prévio, aquiescência, autorização, aprovação, consenso.

        O mestre Calcerrada, citando outros autores, também aduz o seu entendimento sobre o conceito de consentimento:

        Por consentimiento há de entenderse el <<acuerdo de dos voluntades>> (Cerrillo), el <<encuentro de dos declaraciones de voluntad que, partiendo de dos sujetos diversos, se dirigen a un fin común y se unen>> (Ruggiero) o <<la declaración de la conformidad de la voluntad de la persona consentidora con el acto voluntario de otro>> (Kesseler). Supone, pues, la existencia de dos sujetos cuyas voluntades coinciden sobre un mismo objeto, expresa o tácitamente y simultánea o sucesivamente.

        Assim, podemos concluir, sem qualquer receio, em termos gerais, que a atuação do profissional da saúde não é compulsória, depende da anuência do paciente.


b. Consentimento Informado: conceito e abrangência

        O primeiro conceito que passamos a reproduzir advém de respeitado dicionário jurídico (“A concordância de uma pessoa para permitir que alguma coisa aconteça (como uma cirurgia), baseada em uma completa explicação dos fatos necessários para que a decisão seja tomada de maneira inteligente”), a saber: A person’s agreement to allow something to happen (such as surgery) that is based on a full disclosure of facts needed to make the decision intelligently.

        Ao que se nota, busca-se uma decisão inteligente, o que apenas poderá ocorrer se o paciente for orientado sobre o ato do profissional de saúde proposto, todos os seus riscos conseqüentes e, ainda, dos outros tratamentos alternativos, se existentes.

        Ainda no BLACK’S, encontramos a explicitação sobre o que seriam as informações hábeis a produzir uma decisão inteligente por parte do paciente, assim: knowledge of risks involved, alternatives, etc.(Ob. Cit., p. 701, “conhecimento dos riscos e alternativas envolvidas, etc.”)

        Somente após ser devidamente informado pelo profissional de saúde sobre os riscos de um considerado tratamento, bem como de outros tratamentos previstos pela lex artis naquele momento de desenvolvimento da ciência é que o paciente poderá fazer sua opção inteligente.

        No mesmo compêndio encontramos a seguinte conclusão a respeito do entendimento do que seja o “consentimento informado” :

        Informed consent is the name for a general principle of law that a physician has a duty to disclosure what a reasonably prudent physician in the medical community in the exercise of reasonable care would disclosure to his patient as to whatever grave risks of injury might be incurred from a proposed course or treatment, so that a patient, exercising ordinary care for his own welfare and faced with a choice of undergoing the proposed treatment, alternative treatment, or none at all, may intelligently exercise his judgment by reasonably balancing the probable risks against the probable benefits. (Ob. Cit., p. 701)

        “Consentimento informado é o nome de um princípio geral do Direito de que o médico tem o dever de prestar as mesmas informações que um médico razoavelmente prudente na comunidade médica, no exercício da medicina, prestaria ao seu paciente sobre quaisquer riscos que possam decorrer de um tratamento proposto, de maneira que o paciente, exercitando seu direito ao bem estar e incolumidade física, e defrontado com uma escolha de seguir o tratamento proposto, ou um tratamento alternativo, ou nenhum tratamento, possa exercitar seu julgamento de maneira inteligente, sopesando os prováveis riscos frente aos possíveis benefícios”.

        Mais uma vez se observa que o poder de decisão sobre sofrer este ou aquele tratamento de saúde, assim como não aceitar este ou aquele procedimento, incumbe unicamente ao paciente e não ao profissional de saúde.

        Ressalte-se que tal direito do paciente não implica na obrigação do profissional de saúde em aceitar decisão que contrarie suas convicções ético-científicas.

        Para serem evitadas situações dúbias, por ocasião dos esclarecimentos prestados ao paciente pelo profissional de saúde, deverão ser mostradas alternativas de tratamento compatíveis com o seu caso concreto e as condições científicas disponíveis.

        Por outro lado, dependendo da urgência da atuação requerida pelo caso sob exame, deverá o paciente ter conhecimento de alternativas de outros tratamentos, mesmo que não praticados pelo profissional que o atende imediatamente, ou seja, de técnicas existentes noutros centros mais desenvolvidos.

        Quando se prevê a utilização de tratamentos vários, deve ser considerada também a questão da dor, vale dizer, qual a alternativa menos ou mais dolorosa.

        Igualmente, útil será o esclarecimento do tempo previsível de recuperação do paciente em cada uma das alternativas aventadas.

        É igualmente relevante a informação sobre os custos dos tratamentos alternativos, os mais caros ou os mais baratos. Tal esclarecimento evitará contratempos nos pagamentos dos mesmos, propiciando ao paciente condição para que se programe, qualquer que seja a sua escolha. Não queremos dizer que a previsão de custos tenha que ser exata, mas, pelo menos que se forneça ao paciente idéia aproximada dos seus gastos com este ou aquele tratamento opcional.

        É de interesse trazer à cola, por exemplo, neste momento, o entendimento de um dicionário médico sobre o que é consentimento informado:

        Formulário de consentimento; um formulário de consentimento, geralmente escrito, por um paciente ou seu representante legal para o tratamento clínico ou cirúrgico sugerido por um médico ou cirurgião; baseado na completa discussão entre o paciente e o médico cirurgião dos possíveis benefícios, riscos e complicações da evolução do tratamento, bem como uma descrição das alternativas do tratamento.


        Tornam-se mais ricas as exigências internacionalmente concebidas como requisitos do consentimento informado, tais como – a) a explicação sobre o tratamento da saúde; b) a informação sobre os riscos próximos do tratamento sugerido; c) informação sobre outros tratamentos aplicáveis ao caso específico do paciente ou a inexistência de outras opções; d) informação sobre os benefícios previsíveis do tratamento proposto.

        Quando se enfatiza da necessidade de esclarecimento sobre riscos, tenha-se em conta os riscos próximos e não os longínquos, vale dizer, todo tratamento de saúde expõe o paciente a riscos e, uma previsão exagerada de sua incidência poderá ser alarmista, levando o doente a questionar até sobre a validade de buscar um tratamento de saúde.

        O que se pretende é que o paciente tenha noção, em primeiro lugar de que não estará isento de riscos ao escolher qualquer dos tratamentos de saúde a ele aplicáveis; segundo, que os riscos mais comuns e próximos daquele específico tratamento escolhido são previsíveis, sendo então explicitados pelo profissional de saúde.

        É evidente que, embora os textos mencionem expressamente a atividade médica, os conceitos aqui trazidos são aplicáveis a praticamente todos os profissionais de saúde, no relacionamento com seus pacientes.

        Outra consideração que se deve ter é a de que consentimento informado é conceito jurídico e não médico, odontológico, fisioterápico, etc. A conseqüência dessa constatação nos faz entender que os cuidados com sua concepção e alcance estão localizados à esfera de atuação dos advogados e operadores do direito e não na área específica dos profissionais de saúde.

        Um engano muito freqüente que deve ser evitado é o de ser o consentimento informado reduzido a um simples formulário, essa idéia simplista leva à super valorização de um documento isolado, muitas vezes em detrimento de um conjunto de atos e fatos que poderão confirmar ou negar o próprio conteúdo do termo de consentimento formalizado.

        Em muitas ocasiões o paciente é levado a acreditar, por exemplo, que um dado tratamento não o exporá a qualquer risco, como conseqüência de uma campanha publicitária levada a efeito por uma instituição de saúde, por um laboratório farmacêutico ou mesmo pela iniciativa do profissional de saúde. Ao revés, poderá ocorrer nessa mesma campanha, informação que se somará a outras fornecidas diretamente pelo profissional ao paciente, demonstrativa do cumprimento da obrigação de informar caracterizada no processo de consentimento.

        Assim, o folder, o contrato, o protocolo, o cartão de visita do profissional de saúde, os esclarecimentos pessoalmente prestados, as informações oferecidas pela recepção do profissional ou da instituição de saúde e outros instrumentos, poderão fazer parte e compor o processo de consentimento.

        Considere-se assim, que existem fatores externos ao relacionamento direto urdido entre profissionais e instituições de saúde com seus pacientes que num processo de consentimento passam a fazer parte do mesmo.

        Nessa direção são os ensinamentos da advogada e jurista Fay A. Rozovsky: Consent is a process, not a form. As described throughout this book, consent is the communication process between a patient and a provider of health care services in which both parties ask questions and exchange information, culminating in the patient’s agreeing to a specific medical or surgical intervention. (Consentimento é um processo, não um formulário. Como descrito através deste livro, consentimento é o processo de comunicação entre um paciente e um fornecedor de serviços de saúde no qual ambas as partes fazem perguntas e trocam informação, culminando na anuência do paciente a uma realização médica ou cirúrgica específica.)

        Ao que se vê, antes mesmo do paciente chegar à instituição ou à presença do profissional de saúde já recebeu informações que poderão motivar ou não o seu consentimento ao tratamento futuramente proposto.

        Uma das informações buscadas pelos pacientes, antes mesmo de travar contato pessoal com o profissional de saúde é sobre a sua especialidade. Essa ponderação exemplifica a existência de um verdadeiro processo de consentimento e não a manifestação da vontade isolada num único documento.

        Ainda sobre o processo de consentimento, tenha-se em mente que sua base se assenta num relacionamento bilateral, ou seja, na troca recíproca de informações para que seja efetivamente obtido um consentimento válido e eficaz sob o ponto de vista jurídico.

        Há, no processo de consentimento um verdadeiro fluxo de direitos e deveres motivadores da relação equilibrada entre profissional e instituição de saúde e paciente.

        Sobre o tema, mais uma passagem importante escrita pela colega Fay:

        On the one hand, the patient needs certain information from the health care provider in order to decide whether to accept the treatment. On the other hand, the health care provider needs information from the patient in order to tailor the disclosure of risks and benefits to him or her. If it is to be effective, this process requires active participation from both parties. (Ob. Cit., p. 1:1. De um lado, o paciente necessita certa informação do fornecedor de serviços de saúde com a finalidade de decidir se aceita o tratamento. De outro lado, o fornecedor de serviços de saúde precisa informações do paciente a fim de prover informações sobre os riscos e benefícios dele ou dela. Para ser eficaz, esse processo requer participação ativa de ambas as partes.)


        É impensável admitir a definição e concretização de um diagnóstico sem a ativa participação do paciente.

        A idéia de equilíbrio jurídico abriga o de equilíbrio de responsabilidades, eis que o tratamento de saúde, para ser concebido, requer a participação de ambos, do provedor e do paciente.

        Tanto é verdadeiro o que acabamos de explicitar que a própria Dra. Fay chega a afirmar que:

        The process is not, however, a one-way street: there are responsibilities that the patient must discharge. The patient must provide accurate information. The patient should not assume that the health care provider “knows” that the information is unclear or confusing. Rather, as a true consumer of health care services, the patient should not hesitate to pose questions when details relating to a proposed diagnostic test, treatment, or surgical procedure are unclear (Ob. Cit. P. 1:2).


        E mais, reconheçamos que o processo de consentimento requer a reeducação de ambas as partes – do fornecedor de serviços de saúde (profissional e instituição) e do paciente. (Ob. Cit. P. 1:2. “Casting consent in the form of a process requires re-education of both healthcare personnel and patients.”)

        Transcrevemos a seguir conclusões sobre o consentimento informado presentes em artigo de autoria de Kemal E. Kutait, Jr.:

1. The physician (in some instances, an advance practice nurse) is responsible for obtaining informed consent.
2. All informed consent education, including the consent form, should be conducted at the patient’s level understanding.
3. The patient must be informed of the substantial risks and possible complications of the proposed treatment or surgery.
4. Documentation should be thorough and accurate.
5. The patient should not be coerced or frightened into giving consent.
6. The patient has the right to refuse.


(1. O médico (em alguns casos, uma enfermeira bem experiente) é responsável pela obtenção do consentimento informado. 2. Todo o procedimento de consentimento informado, incluído o termo de consentimento, deve ser conduzido no nível de entendimento do paciente. 3. O paciente precisa ser informado sobre riscos importantes e possíveis complicações do tratamento ou cirurgia proposta. 4. A documentação deve completa e precisa. 5. O paciente não deverá ser coagido ou ameaçado para consentir. 6. O paciente tem direito de recusar.)