I. INTRODUÇÃO
As
doenças mentais apresentam peculiaridades incomuns
às outras especialidades médicas. O
limite que separa o normal do patológico nem sempre
é claro quando nos referimos à personalidade,
ao caráter e ao comportamento. Para tornar ainda
mais complexa esta questão, o diagnóstico psiquiátrico
se baseia mais nos sintomas - informações subjetivas
- do que em sinais palpáveis. Sintomas comportamentais,
cognitivos e sensações subjetivas são difíceis
de quantificar e dependem da capacidade do paciente
em defini-los para que sejam compreendidos.
Sintomas
psiquiátricos comuns como depressão e ansiedade
coexistem com freqüência. A maioria das doenças
psiquiátricas não pode ser confirmada por exames
laboratoriais ou anátomo-patológicos. Os diagnósticos
são sindrômicos, baseados num conjunto de sinais
e sintomas que permite diagnosticar um determinado
quadro, definindo conduta e prognóstico.
A
abordagem neurológica, por outro lado, se baseia
no princípio de que todas as manifestações clínicas
referentes ao Sistema Nervoso Central (SNC) têm
uma localização anatômica e fisiológica precisa.
O exame anátomopatológico geralmente confirma
o diagnóstico.
Historicamente
as doenças neurológicas que cursam com sintomas
cognitivos e comportamentais predominantes são
as demências de Alzheimer e Pick, doença de Huntington,
esclerose múltipla, neurolues e encefalites virais.
Quando
as abordagens neurológica e psiquiátrica forem
excludentes, diagnóstico e tratamento poderão
estar comprometidos - por exemplo, uma jovem com
dificuldade para engolir pode ser diagnosticada
como histérica ao invés de miastênica. Um senhor
idoso com declínio intelectual pode ter o diagnóstico
de Alzheimer ao invés de depressão.
O
conhecimento cada vez maior da interação cérebro-mente
amplia as fronteiras do diagnóstico, que não exclui
o neurológico do psicológico e vice-e-versa. Um
estresse pode desencadear crises convulsivas ou
um surto de esclerose múltipla, enquanto a falta
de estímulos apropriados na infância pode alterar
a organização cerebral.
II.
PRINCÍPIOS DO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Depressão,
mania, ilusões, alucinações, obsessões, compulsões,
dissociação e alterações da personalidade são
sintomas etiologicamente inespecíficos, comuns
às doenças neurológicas e psiquiátricas.
No
acidente vascular cerebral (AVC) podem ocorrer
mania (AVC no hemisfério direito), ilusões, alucinações
visuais e auditivas e alterações da personalidade.
Na
doença de Huntington (DH) sintomas como mania,
ilusões, obsessões , compulsões e alterações de
personalidade são freqüentemente encontrados.
O
traumatismo craniencefálico (TCE) pode cursar
com sintomas maníacos, ilusões e alterações da
personalidade.
Associados
à esclerose múltipla (EM) são descritos mania,
ilusões e alucinações visuais.
Alguns
pacientes epilépticos podem apresentar sintomas
maníacos no período peri-ictal, ilusões, alucinações
visuais e auditivas e estado dissociativo durante
uma crise parcial complexa.
Na
demência fronto-temporal pode ocorrer mania, alucinações
visuais e transtorno obsessivo-compulsivo. Sintomas
comuns a outros quadros demenciais degenerativos
e vasculares são as ilusões, alucinações visuais
e transtorno obsessivo-compulsivo.
A
doença de Parkinson, segunda doença neurodegenerativa
mais comum, pode cursar com sintomas maníacos,
ilusões, alucinações visuais e transtorno obsessivo-compulsivo.
Uma
única doença neurológica pode, portanto, se associar
com múltiplos quadros psiquiátricos. Estes não
são encontrados isoladamente, sendo reconhecidos
pelo neurologista através da anamnese, contexto
clínico, estado mental e exame neurológico/neuropsicológico.
Muitas vezes as seqüelas comportamentais são mais
graves que o déficit neurológico cognitivo, como
pode ocorrer no TCE, impedindo o curso normal
da vida do paciente.
Doenças
com acometimento sistêmico, como o Lúpus Eritematoso,
geralmente apresentam outros sintomas antes de
ocorrer um quadro de psicose. Tumores cerebrais
raramente inauguram seu quadro com um distúrbio
cognitivo ou comportamental . Um paciente psiquiátrico
pode também ter uma exacerbação do seu quadro
devido a uma afecção neurológica - como, por exemplo,
um esquizofrênico pode piorar os seus sintomas
se apresentar um tumor cerebral ou um AVC.
Os
sintomas neuropsicológicos podem preceder em meses
ou anos os sintomas neurológicos, como ocorre
nas doenças de Huntington, Parkinson, dos corpos
de Lewy, Alzheimer e doenças de depósito lisossomais.
Os
medicamentos psiquiátricos podem induzir reações
comportamentais, cognitivas e motoras que simulam
quadros neurológicos , como ocorre com os neurolépticos
- apatia, sedação, comprometimento da atenção
e memória, gagueira e uma dificuldade de achar
as palavras, síndrome Parkinsoniana, distonias
e discinesias tardias e tremores. A gabapentina
e a clozapina, drogas com indicações neurológicas
e psiquiátricas, podem causar respectivamente
coreoatetose e asterixis, mesmo em doses terapêuticas.
Outras reações adversas são convulsões, ataxia,
alteração do controle da temperatura e a síndrome
maligna do neuroléptico.
A
resposta ao tratamento dos sintomas psiquiátricos
pode ser a mesma nas doenças de origem neurológica
ou psiquiátrica - um paciente com doença de Parkinson
ou Huntington pode apresentar melhora da depressão
com os antidepressivos convencionais. A administração
intravenosa de benzodiazepínicos pode melhorar
a catatonia de qualquer origem.
As
lesões que mais produzem sintomas psiquiátricos
são localizadas nas regiões frontal, temporal,
límbica, e striatum.
III.
FISIOPATOLOGIA DOS SINTOMAS PSICÓTICOS
O
efeito da doença neurológica nas estruturas relacionadas
com o comportamento humano fornece substrato para
melhor compreendê-lo. Mesmo assim, a fisiopatologia
dos sintomas psicóticos não é inteiramente conhecida.
Do
ponto de vista comportamental o cérebro humano
pode ser dividido em 4 componentes principais:
córtex sensitivo primário, córtex motor primário,
córtex associativo e sistema límbico.
O
córtex associativo subdivide-se em regiões unimodais
e heteromodais. Cada modalidade sensorial (visão,
audição, olfação, somestesia e gustação) é recebida
por uma área cortical associativa específica unimodal,
onde ocorre o processamento que permite discriminações
quantitativas e qualitativas de estímulos recebidos
simultaneamente. Isso permite comparar o estímulo
atual com os já previamente recebidos - uma ruptura
em qualquer etapa desse processo pode levar a
uma sensação alucinatória ou a uma interpretação
errada da realidade. O córtex heteromodal associativo
faz a integração de múltiplos estímulos sensoriais,
compara as informações que chegam com as já existentes
e as leva ao sistema límbico, que regula emoções,
energia e afeto. Formam-se então comportamentos
complexos como pensamento, linguagem, percepção
de si próprio, atenção, humor e julgamento.
O
hemisfério direito tem papel predominante na emoção,
nos erros de percepção, alucinações, ilusões e
sensação de reconhecimento e familiaridade.
Um
modelo neurológico de alucinações é o das crises
parciais complexas produzidas por descargas neuronais
nas regiões temporo-límbicas - são breves e estereotipadas,
podendo ser alucinações de qualquer modalidade.
A alucinose peduncular - afecção de origem isquêmica
que acomete a porção mais alta do mesencéfalo-
cursa com alucinações visuais semelhantes a um
sonho, com pequenos seres, animais ou objetos
em ação.
A
tomografia por emissão de pósitrons realizada
em pacientes psiocóticos confirma uma ativação
de estruturas subcorticais, límbicas (hipocampo),
giro cíngulo e córtex órbitofrontal. Os pacientes
com alucinações auditivas e visuais têm ativação
do córtex de associação auditivo e córtex visual,
respectivamente.
Uma
desinibição dos circuitos que coordenam dados
internos afetivos com os dados sensoriais presentes
e passados pode levar à liberação patológica de
comportamentos e experiências durante episódios
psicóticos.
IV.
DEPRESSÃO NAS DOENÇAS NEUROLÓGICAS
A
depressão é o sintoma neuropsiquiátrico mais freqüente
nas doenças neurológicas. (tabela 1)
Tabela1. Freqüência de depressão nas doenças
neurológicas
AVC
................................................
30-60%
DOENÇA
DE PARKINSON........................40-60%
DOENÇA
DE HUNTINGTON......................30-40%
DOENÇA
DE ALZHEIMER.........................30-40%
ESCLEROSE
MÚLTIPLA.......................... 20-60%
TCE...................................................25-50%
DEMÊNCIA
VASCULAR............................25-60%
EPILEPSIA...........................................10-50%
As
doenças que acometem os lobos frontal e temporal,
bem como os gânglios da base são mais freqüentemente
acompanhadas por depressão - sua especificidade
por determinadas regiões cerebrais sugere correlação
com a patologia de base, mais do que um quadro
reacional devido a uma doença crônica.
A
resposta ao tratamento com antidepressivos é de
80%.
V.
ALTERAÇÕES DA PERSONALIDADE NAS DOENÇAS NEUROLÓGICAS
Um
paciente que apresenta alterações da personalidade
com instalação subaguda deve ter seu diagnóstico
diferencial feito com quadros lesionais localizados
nas regiões fronto-medial bilateral, gânglios
da base ou tálamo - seu sintoma predominante pode
ser apatia. As etiologias mais freqüentes são
vascular, TCE, encefalite pelo HIV, e deficiência
de vitamina B12.
Lesões
orbitofrontais e em núcleo caudado causam comportamento
desinibido, sendo observadas em doenças degenerativas,
vasculares, tumores ou TCE.
Irritabilidade
e comportamento explosivo estão associados a lesões
orbitofrontais bilaterais, como na doença de Huntington,
AVC e TCE. Indiferença,
placidez e alterações do julgamento e autocrítica
são comuns na demência frontotemporal de Pick,
podendo também ocorrer na doença de Alzheimer
mais avançada.
VI.
CATATONIA NAS DOENÇAS NEUROLÓGICAS
É
um sintoma raro, geralmente relacionado a uma
psicose primária. Cerca de 10 a 20% dos pacientes
com esse sintoma podem ter afecções associadas,
não implicando isso numa relação causa-efeito.
A catatonia é atribuída a lesões diencefálicas
ou de córtex motor suplementar, embora seus mecanismos
desencadeantes ainda sejam incertos. A maioria
dos casos tem origem multifatorial. O tratamento
com eletroconvulsoterapia (ECT) e benzodiazepínicos
IV geralmente apresenta bons resultados.
Tabela 2- Doenças associadas à Catatonia
Mutismo
acinético com ou sem afasia
Lesões
do tálamo e globo pálido
AVC
Tumores
do SNC
Anóxia
cerebral
TCE;
hematoma subdural
Encefalites-HIV,
virais (herpes simples), bacterianas, neurolues
Esclerose
múltipla
Leucoencefalopatia
multifocal progressiva
LES
com comprometimento do SNC
Estado
de mal não convulsivo
Porfiria
aguda intermitente
Encefalite
límbica paraneoplásica
Encefalopatia
de Wernicke (deficiência de tiamina)
Hipertireoidismo
Hiperparatireoidismo
Doenças
de Addison e Cushing
Cetoacidose
diabética
Encefalopatias
hepática/metabólicas
Associada
a drogas (neurolépticos, antidepressivos, anticonvulsivantes,
disulfiram, lítio, alucinógenos e estimulantes)
Síndrome
maligna do neuroléptico
VII.
ASPECTOS COMPORTAMENTAIS E COGNITIVOS DAS DOENÇAS
NEUROLÓGICAS
Mais
de 50% do córtex cerebral é constituído por áreas
límbicas e de associação, irrigadas pelas artérias
cerebrais anterior, média e posterior. Os AVCs
nessas áreas não são necessariamente acompanhados
por hemiplegia ,sintomas sensitivos , visuais
ou de tronco cerebral.
Os
sintomas predominantes nos AVCs situados nas regiões
frontal, temporal ou parietal podem ser uma alteração
de humor, comportamento ou personalidade. Depressão
é um sintoma encontrado em até 50% dos pacientes
pós-AVC, correlacionando-se com a localização
da lesão no pólo frontal esquerdo. A tabela 3
mostra as lesões vasculares relacionadas a distúrbios
comportamentais.
Abulia
e apatia com instalação abrupta podem ser sintomas
de lesões vasculares pré frontais , principalmente
no hemisfério esquerdo. A afasia de Wernicke,
quadro que se caracteriza por conservação da fluência,
ausência de percepção total do déficit, produção
verbal de neologismos e compreensão diminuída,
comporta um diagnóstico diferencial com esquizofrenia
aguda . Dados que auxiliam nesse diferencial são
a presença de alteração no campo visual temporal
superior direito, apraxia do membro superior esquerdo
e ausência de pensamentos bizarros.
A
afasia de Broca é mais facilmente diagnosticada
por se associar a quadro de hemiplegia e hemianopsia
homônima à direita.
A
surdez pura para palavras é uma perda isolada
da capacidade de compreender e repetir a linguagem
falada, relacionando-se a AVCs embólicos que acometem
o córtex auditivo ou de associação à esquerda
ou bilateralmente. Pode se iniciar com agitação
e paranóia.
Alucinações
visuais podem ocorrer em lesões isquêmicas retinianas,
no nervo óptico, degeneração macular ou por qualquer
acometimento do sistema visual.
Tabela3.
Distúrbios comportamentais nos AVCs
sem hemiplegia |
SINTOMA |
TERRITÓRIO VASCULAR |
LOCAL. ANATÔMICA |
LATERAL |
Apatia/abulia
|
ACA
|
Frontal/Talâmica
|
Bilateral
|
Paranóia/
Afasia de
Wernicke
|
ACM
|
Temporal
|
Bilateral
|
Paranóia/
Surdez para palavras de associação
|
ACM
|
Córtex
auditivo |
E/Bilateral
|
Paranóia/
Agitação |
ACM
|
Temporal
|
D/E/Bilateral
|
Alucinações
Pedunculares Visuais |
ACP
|
Tálamo
|
D/E/Bilateral
|
Mania
|
ACM,
ACA, ACP |
Frontal
inferior caudado/tálamo
temporal
basal |
D
|
Ilusões/
Alucinações |
ACM
|
Frontal/temporal
/parietal |
D
|
Amnésia
|
ACP
|
Temporal
mesial |
D/E/Bilateral
|
Estado
confusional |
ACM
ACP |
Parietal/temporal/Temporal
mesial/ Occipital |
D
|
Aprosodia
|
ACM
|
Frontal
póstero-inferior |
D
|
Expressiva/
Receptiva |
ACM
|
|
D
|
O
TCE, mais comum em homens na segunda , terceira
e sexta década de vida, pode apresentar como seqüela
sintomas psiquiátricos e alterações da personalidade,
que muitas vezes, são incapacitantes.
A
fisiopatologia relaciona-se à lesão axonal por
estiramento mecânico, podendo haver uma interrupção
das conexões frontais. As regiões orbitofrontal
e temporal anterior são mais acometidas por contusões,
hematomas e hemorragias intracerebrais.
As
lesões do TCE acarretam déficit de atenção, alterações
emocionais, raciocínio, iniciação e planejamento.
As mudanças da personalidade (apatia, lentidão,
indiferença e perda da iniciativa) relacionam-se
com lesões da convexidade frontal lateral. Lesões
orbitofrontais causam diminuição do controle do
impulso, irritabilidade e hipercinesias. Sintomas
psicóticos (paranóia, mania, e alucinações visuais
e auditivas) ocorrem em até 20% dos pacientes.
Os
pacientes com TCEs leves podem apresentar esquecimento
(40%), depressão (40%), ansiedade (40%), raiva
(35%) e impulsividade (25%), podendo esses sintomas
se tornar crônicos.
Os
sintomas neuropsiquiátricos são freqüentes nos
tumores cerebrais, relacionando-se à localização,
ritmo de crescimento, tamanho e idade do paciente
. A incidência de tumores cerebrais nos pacientes
com diagnósticos iniciais de doença psiquiátrica
é de 1 a 2%, significativamente maior que na população.
Os tumores supratentoriais, principalmente os
frontais e temporais, cursam com alterações cognitivas
e comportamentais. Meningeomas do soalho da fossa
anterior, tumores da pineal, craniofaringeomas
com expansão supraselar e gliomas hipotalâmicos
levam freqüentemente a disfunção do córtex órbitofrontal
e alterações comportamentais como apatia, depressão
e abulia.
Meningeomas
da asa doesfenóide e gliomas/metástases que comprimem
o lobo temporal podem originar psicose, ansiedade,
euforia e hipomania. Tumores de crescimento rápido
podem apresentar quadros psicóticos, enquanto
os de crescimento lento se manifestam com sintomas
de alteração da personalidade, depressão ou apatia.
Pacientes idosos podem apresentar déficit cognitivo
como sintoma inicial. Qualquer paciente que apresente
alterações comportamentais acompanhadas por convulsões,
cefaléia, alterações sensitivas ou outros sinais
/sintomas neurológicos focais devem ser investigados
com a hipótese de um tumor cerebral.
As
síndromes paraneoplásicas ocorrem em cerca de
7% dos pacientes com neoplasias, especialmente
carcinoma de pequenas células de pulmão e ovário,
estômago, mama e cólon. Acometem pacientes de
meia idade e podem preceder o aparecimento do
tumor.
A
encefalite límbica pode ter como sintomas iniciais
ansiedade, depressão e alterações esquizofreniformes,
evoluindo com convulsões, amnésia ,depressão,
alterações da personalidade, sinais cerebelares,
de tronco, medulares e periféricos. A RM pode
demonstrar alterações temporais mesiais ou ser
normal. O líquido cefalorraquiano mostra linfocitose
e hiperproteinorraquia. A positividade dos anticorpos
anti -Hu relaciona-se com o carcinoma pulmonar
de pequenas células. A maioria dos pacientes evolui
para progressão rápida para demência e morte.
O tratamento da neoplasia primária pode reverter
o quadro.
Dentre
os pacientes com queixa de declínio cognitivo
8 a 15% apresentam depressão, caracterizada por
déficit de atenção e memória, apatia, parada das
atividades sociais e até mesmo mutismo e incontinência.
Principalmente nos pacientes acima dos 60 anos
a tristeza pode não se expressar clinicamente,
sendo substituída por sintomas psicossomáticos
como fadiga, excessiva, tornando difícil o diagnóstico
diferencial entre demência e depressão. Isso se
torna mais complexo quando se tem em mente que
25 a 60% dos pacientes com demências degenerativas
ou vasculares apresentam também depressão. Os
dados que sugerem depressão como diagnóstico primário
ou co-morbidade são a história familiar ou pessoal
de depressão, instalação em dias ou semanas, agitação,
idéias persecutórias, iniciadas após um evento
marcante e persistência das queixas de memória.
Raramente a doença de Alzheimer apresenta depressão
como sintoma inicial e, quanto mais avançada for
a demência, menos freqüente será o sintoma de
depressão.
A
doença de Alzheimer inicia geralmente de maneira
insidiosa, caracterizando-se por amnésia progressiva
que evolui durante anos , acompanhada por afasia
fluente, desatenção, perda da percepção e julgamento,
déficits visuo-espaciais, estando o exame neurológico
normal. Dentre os pacientes com Alzheimer 30 a
60% apresentam manifestações neuropsiquiátricas
como ilusões, alucinações, ansiedade, inquietude,
agitação e agressividade. As alucinações/ilusões
podem desencadear agressividade física e verbal.
Sintomas negativos como distúrbios da iniciação,
motivação e parada das atividades sociais também
são observados.
A
demência de Pick tem uma evolução de meses ou
anos de um declínio da higiene pessoal, personalidade,
comportamento, planejamento, com relativa preservação
da memória recente e da linguagem, estando o exame
neurológico normal. A doença de Pick pode se iniciar
com apatia, alterações comportamentais, ilusões,
alterações da percepção, perda da crítica e julgamento,
tornando difícil o diagnóstico nessa fase.
Na
demência por multiinfartos cerebrais as lesões
localizadas nas regiões frontal, temporal ou parietal
podem gerar déficits cognitivos que mimetizam
a demência. Geralmente
uma área da cognição está acometida, poupando
outras atividades intelectuais. O quadro tem instalação
aguda, sendo acompanhado por déficits focais e
alterações na neuroimagem. O quadro pode se associar
com Alzheimer.
Na
doença de Parkinson ocorrem lentificação do raciocínio,
alterações da personalidade, humor e comportamento.
A depressão pode ser o sintoma inicial, sendo
observada em 50% dos pacientes e apresentando
uma distribuição bimodal - um pico no início do
quadro e outro associado ao declínio motor e cognitivo.
Na
doença de Huntington os sintomas psiquiátricos
precedem os motores em até 10 anos. Nesses pacientes
há uma taxa elevada de suicídio, apatia, irritabilidade,
agressividade, deterioração das relações sociais
e funcionais.
A
doença de Wilson , relacionada ao metabolismo
do cobre, sempre deve ser lembrada no diagnóstico
diferencial de um quadro extrapiramidal associado
a sintomas cerebelares e neuropsiquiátricos num
paciente jovem. Um terço desses pacientes recebe
inicialmente um diagnóstico psiquiátrico, sendo
comuns alterações da personalidade - labilidade,
impulsividade, desinibição da sexualidade . Sintomas
psicóticos ocorrem na fase inicial em 10 a 20%
dos pacientes com doença de Wilson. As lesões
nos núcleos caudado e putamen provavelmente acarretam
os distúrbios comportamentais. O diagnóstico é
feito com a presença do anel de Kayser-Fleisher
, associada a fácies característica de sorriso
e a sintomas distônicos, rigidez, disartria e
instabilidade postural.
A
epilepsia ocorre em cerca de 0,5 a 2% da população
e tem como sintoma mais comum - quando se inicia
na idade adulta- a crise parcial complexa, caracterizada
por sintomas olfatórios, auditivos, alucinações
visuais, estados dissociativos, mania e ilusões.
Sintomas esquizofreniformes podem estar associados
à epilepsia do lobo temporal do hemisfério dominante.
O início das crises sempre precede em anos os
sintomas esquizofreniformes e esses pacientes
não costumam ter história familiar de esquizofrenia.
A
demência da síndrome da imunodeficiência adquirida
acomete clinicamente 60% dos pacientes sintomáticos
e 90% das necrópsias observa-se encefalite subaguda.
O vírus acomete inicialmente regiões subcorticais
(tálamos e gânglios da base), o que explica alterações
comportamentais precoces e a característica subcortical
da demência (apatia, desatenção, pensamento lentificado
e, secundariamente, dificuldades na memória recente).
A encefalite aidética pode ter como sintoma inicial
um quadro psicótico agudo e os sintomas afetivos
geralmente precedem as alterações cognitivas e
comportamentais.
Na esclerose múltipla 20 a 60% dos pacientes apresentam
depressão uni ou bipolar, não se relacionando
essa ocorrência com a gravidade do comprometimento
neurológico.
Quadros
psicóticos caracterizados por mania, paranóia
e alucinações visuais ocorrem em cerca de 10%
dos pacientes, sempre acompanhados por outros
sintomas neurológicos. A avaliação neuropsicológica
mostra disfunção cognitiva leve à moderada em
40%, com características de demência subcortical
- atenção, velocidade no processamento da informação,
flexibilidade mental, raciocínio abstrato, e comprometimento
da memória recente. O declínio cognitivo, observado
em 20% dos pacientes, não se relaciona à gravidade
do quadro clínico mas sim ao volume de lesões
observadas na RM.
VIII.
QUANDO INDICAR UMA AVALIAÇÃO NEUROLÓGICA NUM PACIENTE
COM SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS
Sintomas
de instalação aguda ou subaguda num paciente sem
história psiquiátrica prévia e ausência de fatores
desencadeantes psicossociais.
Sintomas
atípicos dentro do contexto psiquiátrico: declínio
cognitivo, intratabilidade, progressão
História
de TCE, convulsões, distúrbios do movimento, hepatopatia,
crises de dor abdominal, cicatrizes cirúrgicas,
neuropatia periférica.
Um
dos seguintes quadros com instalação recente:
cefaléia; alterações neuroendócrinas; desatenção;
sonolência; incontinência; anorexia.
Fatores
de risco para doença cerebrovascular
-
Anormalidades do exame neurológico e dos exames
complementares
-
2 ou mais familiares de primeiro grau com sintomas
semelhantes
-
Paciente jovem com catatonia sem antecedentes
de afecção psiquiátrica
VIII.
QUANDO INDICAR UMA AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA NUM
PACIENTE COM SINTOMAS NEUROLÓGICOS
-
Sintomas psiquiátricos sem explicação neurológica
aparente
-
História prévia de sintomas psiquiátricos
-
Depressão mascarada ou ansiedade associada
-
Fadiga ou dor crônicas
-
Medicar com psicofármacos adequados os sintomas
psiquiátricos de um paciente neurológico
-
Dificuldades emocionais do paciente ou da família
IX.QUANDO
SOLICITAR EXAMES COMPLEMENTARES NUM PACIENTE COM
SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS
Tomografia
Cerebral/Ressonância Magnética: primeiro episódio
de psicose em qualquer idade, desde que não seja
relacionado com intoxicação; primeiro episódio
de distúrbio afetivo severo num paciente acima
dos 40 anos; qualquer síndrome psiquiátrica acompanhada
por sinais neurológicos ou deterioração cognitiva;
anorexia nervosa, particularmente em homens; quadro
psicóticos atípicos ou refratários ao tratamento
convencional.
Eletrencefalograma:
para detectar atividade epileptiforme em pacientes
epilépticos ou em outras afecções
Avaliação
neuropsicológica: pode sugerir correlações neuroanatômicas
e neuropatológicas
X.
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA
-
Adams
RD. Principles of Neurology. 6th ed,
McGraw-Hill 1997.
-
Samuels
MA. Hospitalist Neurology. Butterworth
Heinemann, 1999
-
Bradley
WG, Daroff RB, Fenichel GM & Mrsden CD.
Neurology in Clinical Practice. 3rd
ed, Butterworth Heinemann, 2000.
|